Por que é que o nome Belém existe em Felgueiras?

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Mosteiro de Pombeiro

O que é o Mosteiro de Pombeiro tem a ver com o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa? E de que forma essa relação está ligada com uma quezília que durou 150 anos a resolver? E ainda o que é que o nome Belém, atribuído na toponímia local, tem a ver com isto?

O historiador felgueirense Carlos Ferreira escreveu um artigo na JN História (nº41 de dezembro de 2022) onde disserta sobre a contenda entre os dois Mosteiros, ao tempo em que Portugal tinha com Rei o espanhol Filipe I (de Portugal) e o Mosteiro de Pombeiro era um dos “grandes potentados monásticos do norte do país, cujo património fundiário se estendia até Vila Real”, lembra o autor.

Refira-se que o Mosteiro de Pombeiro é anterior à nacionalidade e a sua localização durante séculos era privilegiada na “geopolítica” da época, recebendo doações consideráveis que o tornaram dos mais ricos no território nacional.

Logo, quando o monarca – que herdou o trono, recorde-se, na sequência da crise dinástica desencadeada com a morte de D. Sebastião – assumiu a governação do reino deparou-se com uma situação económica difícil.

“Numa tentativa de aliviar a fazenda real, o monarca solicitou ao Papa Sisto V que se desonerasse a Casa da Índia da obrigação que tinha para com os Jerónimos, dando como hipótese um desmembramento das rendas do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, a favor do Mosteiro de Santa Maria de Belém. Na prática, o monarca livrava-se deste pagamento, sem que a renda deixasse de ser paga”, escreve Carlos Ferreira no seu artigo.

“A situação de Pombeiro não era, à época, tão favorável como havia sido noutros tempos, uma vez que, mesmo com bons rendimentos, já se notava alguma decadência do Mosteiro, tal como nos refere Fr. António de Assuncão Meireles, nas suas Memórias do Mosteiro de Pombeiro. Este lugar “existia num ermo sem Abade e fazia de renda o melhor de 8000 cruzados”. Ora, o Papa acedeu ao pedido de monarca, o que levou ao desmembramento das rendas de Pombeiro, autorizado por bula datada de 6 de março de 1586. Dessa bula não nasceria a paz, antes processos e discussões acesa: entre beneditinos e belemitas”, atesta o historiador.

“A contenda das décadas seguintes não se circunscreve a esta situação, ou seja, ao facto de uma das partes, neste caso os monges de Pombeiro, se sentir espoliada. Na verdade, a grande questão centra-se nos belemitas, que, mesmo recebendo o que até então não era sua propriedade, defendiam uma leitura diferente da bula recebida da Santa Sé. O documento estipulava que os rendimentos se prendiam com propriedades e com as denominadas “rendas certas”, mas os belemitas tinham diferente entendimento, querendo tomar para si os passais e até padroados do mesmo mosteiro. Estavam assim em causa a denominada “mesa do Sabido”, propriedades no couto do mosteiro e a denominada “massa de Vila Real”, adianta.

Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa

Francisco Craesbeeck, nas suas Memórias Ressuscitadas da Província de Entre o Douro e Minho, destaca, a propósito da sua passagem por Felgueiras, a existência de umas casas habitada por quatro padres jerónimos, no mesmo lugar onde são referenciadas a rendas do Sabido.

Depois de anos com beneditinos e jerónimos a esgrimir argumentos nova sentença passada em Lisboa veio, finalmente, encerrar o assunto, em 22 de Dezembro de 1742:“(…) sem a menor dúvida se não compreende bens alguns da Mesa Conventual (…no que sem dúvida na censura de direito devem ser condenados ao restituir e largarem para os autores [beneditinos], aos quais compete reivindicação (..) pois sem controvérsia  se mostrados autos haver nos réus ( jerônimos) a má-fé.”

Mais de 150 anos passados, encerrava-se um capítulo conturbado da vida destas duas ordens religiosas, que, na verdade, terias sido um assunto de somenos, se a bula fosse devidamente interpretada por ambas as partes, não atribuindo aos belemitas o que não lhes era devido”, deduz Carlos Ferreira.

Centro de Felgueiras

“Quase 500 anos depois do início de tudo isto, ainda são hoje visíveis marcas dessa quezília no território felgueirense. No centro da cidade de Felgueiras, sobrevive ainda, na toponímia, termo Belém, associado ao lugar onde estiveram instalados os referidos jerónimos, recolhendo ali as suas rendas e lá permanecendo até 1834, ou seja, ao momento da extinção das ordens religiosas. Contendas e disputas à parte, as leis do Estado liberal impuseram encerramento das portas de ambos o mosteiros, Resta-nos a memória e o valor patrimonial dos terrenos sagrados que outrora foram palcos de profanas guerras”, concluiu Carlos Ferreira.

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